sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Um passeio pelo cinema americano da prosa poética de Lucas Viriato

Quem nunca se deparou com este temível dilema: "Ligar a tevê para ver um filme ou ler um livro?" E, antes que alguém me responda com sete pedras na mão, eu posso ainda emendar: "E que mal tem em você ligar a tevê para ver alguma coisa que preste?" Algumas vezes, achamos coisas valiosas no lixo. E se não fosse assim, o filme do artista plástico Vik Muniz sobre os catadores de lixo do Jardim Gramacho não teria saido do monte de luxo do aterro na baixada para o monte de lixo (?) do Oscar em Los Angels. "Anything else" de Woody Allen é uma prova simples de que, sim!, existem lixos extraordinários. Mas se você conseguisse ler um livro da mesma maneira como se estivesse assistindo a um filme? Pense nisso: Ler um livro, com a mesma sensibilidade poética de Manuel Bandeira e com um estilo clássico de cinema americano, com a mesma capacidade lírica de Woody Allen? Não, isso não seria possível. Até porque, "A vida não é feita de possibilidades". E não sou eu, nem Woody e muito menos Manuel bandeira quem assina esta frase. O dono é outro poeta, chamado Lucas Viriato e que pode ser lido no seu primeiro livro de prosa chamado "Os contos de Mary Blaigdfield - A mulher que não queria falar sobre o Kentucky (e outras hisórias)".
Lucas Viriato é um grande poeta nas pequenas mensagens. Já tive a oportunidade de dizê-lo uma vez e repito para que ele nunca se esqueça. Li e reli seus dois primeiros livros de poesia, "Memórias indianas" e "Retorno ao Oriente", lançados em 2007 e 2008, respectivamente, e não pude evitar de compará-lo a outros dois poetas: Carlos Drummond de Andrade e o já citado Manuel Bandeira. A sua linguagem poética é tão singular e refinada, que consegue capturar cada "impureza dos seus dedos", os "Micróbios" e os "microorganismos" e colocar no papel sem que a gente note que elas sempre estiveram ali, na nossa cara e mãos. "Os contos de Mary Blaigdfield - A mulher que não queria..." é um livro que pode ser assistido sem tirar o fôlego do papel. Cada pausa, palavra, frases criadas, criando situações e costumes, personagens neuróticos e sem noção, dão movimentos às cenas que passam e escorregam pelas folhas. Eu sabia, desde o princípio, que eu deveria ter este livro dentro de casa.
E, na medida em que as várias situações de Mary - a mulher que não queria falar sobre o Kentucky - se dividem e se desenrolam no livro, os outros contos se enrolam como se estivessemenrolados num único rolo de filme. Ora, num clima mais romântico - "Amor de armário" e "Débora e Marcos" - e ora num clima mais misterioso - "14.100", "a idéia de Arthur" e no próprio conto que dá nome ao título "Mary - A mulher que não.." Você chega a visualizar as cenas, os cortes, e os memos closes que visualizaria se estivesse assistindo um filme. Todos os contos são delicados e irônicos e conseguem passar por situações cabulosas fazendo graça ainda que no mesmo estilo mordaz de comédia do Woody e dos irmãos Coen. Como quando uma lata de aveia Quaker se apaixona por uma lata de uvas passas depois que esta passa por uma situação de perigo dentro do armário da cozinha. Isso porque ela "provavelmente deve ser docinha".
Lucas Viriato é capaz de conduzir as palavras com "Copos de vidro, mãos firmes, gravidade faminta e um piso implacavelmente duro - porém excitável". E prova mais uma vez, não tenho como negar, que a palma de ouro, o urso ou qualquer outra estatueta dourada sempre será dele. O bonequinho levanta, assobia e dá pulos de emoção na cadeira. Bravo!



Contos de Mary Blaigdfield - a mulher que não queria falar sobre o Kentucky (parteI)

Mary Blaigdfield dirigiu-se até a pia. Como suas mãos estavam sujas!, pensava, girando a torneira. Em milésimos de segundos, a água limpa e corrente se desmanchou pelos dedos sujos da mulher. Realmente estavam sujos.

— Nada como uma boa água fresca para lavar as mãos, não? — disse ela em voz alta.

— É, de fato, a água corrente retirará a maioria das impurezas das suas mãos. Se lavar com sabão, então exterminará a maioria dos micróbios e dos outros microorganismos. Mas, não pense que está cem por cento segura apenas por estar lavando as mãos... Muitas coisas resistem facilmente a uma simples lavada de mãos...

— Como o quê, por exemplo?

— Como... — A outra pessoa fez uma pausa, como se prestes a fazer uma séria revelação — pó nuclear...

Naquele momento as mãos de Mary Blaigdfield, que até então se friccionavam, congelaram. Levantou os olhos lentamente até encarar a outra pessoa no reflexo do espelho.

Mary ficou parada até que a outra pessoa lhe ofereceu uma toalha.

Enquanto enxugava as mãos, perguntou com a voz séria:

— Por acaso esta cidade já sofreu algum ataque com pó nuclear?

— Isso foi há muito tempo. Antes do Larie Boferman, antes mesmo do Paul Mackning... As conjunturas eram outras e isso se deu naturalmente.

— Por que você nunca me contou isso? — perguntou irritada.

— Tínhamos medo da sua reação. A entrevista foi transmitida em rede nacional! Se você soubesse a verdade, poderia estragar tudo! O trabalho de anos.

— Vocês me fizeram mentir para milhões de cidadãos, sem eu nem saber que estava mentindo?

— Fizemos sim, mas foi pelo bem do projeto. Você precisa compreender.

— Eu preciso compreender? — perguntou ironicamente — Eu preciso compreender é uma ova! Eu vou convocar a imprensa e informar toda a verdade.

— Não Mary, você não vai. — retrucou em um tom de voz seco.

— Vou, sim! Não vou levar esse peso nas costas pelo resto da vida!

— Não Mary. Você não vai...

— E posso saber por quê?

— Porque, se você for, se você abrir a boca, revelaremos para todos os seres vivos desse planeta... — pausa — o que você fez no Kentucky.


— Eu não quero falar sobre o Kentucky! Eu não quero falar sobre o Kentucky! Eu não quero falar sobre o Kentucky! — Mary Blaigdfield gritou, sofrendo naquele banheiro. Começou a se contorcer, lembrando-se do Kentucky. Contorceu-se até cair no chão, encolhendo-se. Enquanto passava a mão no chão, ela ia se enchendo de microorganismos novamente, todos sujos. Encolheu-se até ficar pequenininha. Pequenininha e vermelha, pois seu rosto parecia que ia explodir. Os grunhidos que sua garganta fazia eram verdadeiramente demoníacos. Sua pele pipocou em questão de segundos. Ela tremia, encolhida, cada vez mais rápido, em verdadeiras convulsões.

Quando aquele sofrimento parecia estar chegando a um momento insuportável, um jorro de secreção negra e gosmenta saiu de sua boca. A partir de então, ela se acalmou como um casal após a cópula.

Mary Blaigdfield ficou ali, como um verme, no chão do banheiro, envolta em sua secreção nojenta, repleta de imundos microorganismos.

— Você precisará de muita água corrente agora... — e o outro foi embora impassível.

Ela é Mary Blaigdfield e ela não quer falar sobre o Kentucky.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Os primeiros passinhos


Os dois poemas DuasCaras, antônimo & sinônimo, publicados na última edição #30 do jornal plástico bolha. Com direito a foto-retrato e tudo!


Magnifique!

sábado, 14 de janeiro de 2012

Falô tá falado!

O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e recriando a linguagem. vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo. O poeta é radical (do latim, radix, radicis = raiz): ele trabalha as raízes da linguagem. Com isso, o mundo da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos. É por isso que um poema parece falar de tudo e de nada, ao mesmo tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria modelos de sensibilidade. É por isso que um poema, sendo um ser concreto de linguagem, parece o mais abstrato dos seres. É por isso que um poema é criação pura - por mais impura que seja. É como uma pessoa, ou como a vida: por melhor que você a explique, a explicação nunca pode substituí-la. É como uma pessoa que diz sempre que quer ser compreendida. Mas o que ela quer mesmo é ser amada.


Décio Pignatari, in Comunicação Poética (2ª edição - C&M Cortez e Moraes Ltda.)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

acalanto

devo lhe dizer o que não cabe
nas nossas entrelinhas: estamos
perdendo moedas, trocando
as bolas das sílabas

você parece um termômetro
aquecendo e aquecida mudando
de humor de cinco em cinco minutos
escutando miados imaginários

eu que não consigo ser Kicker
chuto metade das roupas que
caem no chão num estalo de
gatilho de uma guilhotina

sorrindo para o creme dental
amassado na matança diária
que começa desde o bom dia Rio
estamos perdendo as estribeiras

o que nunca pensamos em ser um dia
os fantasmas dos longas de Kubrick
devo lhe dizer que o meu maior medo
é de dormirmos antes de ver o final do filme.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

a volta dos que (ainda) não foram

O apocalíptico ano de 2012 mal começou e já começaram os rumores, tremores e medos sobre os primeiros passos da humanidade para o seu temível desfecho. Mas, o fim do mundo está muito longe de acontecer. É o que dizem os poetas (profetas?).




Natália Eme, Angelo Abu, Heinz Langer, Ingrid Bittar
Isabella Pacheco, M. Nazaré Laroca, Pedro Rocha, Alice Sant’Anna
Juliana Bernardo, João Lima, Anelise Freitas, Hugo Pascottini
Leonardo dos Santos Dias, Augusto Guimaraens Cavalcanti
Rafael H. Silveira, Ana B., Fernando Brum, Danilo Diógenes
Mauro Ferreira, Naiara Barrozo, Santuza Cambraia Naves
Laura Erber, Flávia Muniz, Érica Magni, Breno Coelho, Bráulio Coelho
Rodrigo Cabral, Mayara Almeida, Henrique Fagundes Carvalho
Sil Eli San, Felizpe Inferreira, Camila da Vinci, Miriam Sutter
Matheus Pinheiro, Eduardo Pascottini, Vania Osorio
Chacal, Nicolas Behr, Lucas Viriato, Camila Silveira.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Matemática 1

Sempre achei que:
Eu ≠ Z(todos os outros)

Mesmo sabendo no fundo que:
Z= todos os outros + eu

Sabendo tambem que:
Z= Todos os outros ≠ entre si

Tendo essa noção resolva:
Z= todos os outros ≠ entre si + eu

Z= entre si

Glossário:
Z: O conjunto dos números inteiros é o conjunto
dos números naturais acrescido
dos seus opostos negativos.
É representado pela letra Z,
devido ao fato da palavra Zahl em alemão significar "número".
Z = {...,-3, -2, -1, 0, 1, 2, 3,...}

= :Lê-se como "igual a"

≠ :Lê-se como "não igual a"

Quarto bagunçado

A vida é como um quarto bagunçado
Na maioria das vezes você acha que está arrumado
Para seus pais ele nunca está arrumado o suficiente
Para os outros não importa tanto quanto acham
E como na vida, as vezes procuramos coisas
que não achamos na hora que achávamos
que precisávamos... um dia acha...
e se não achar, é porque realmente
aquilo não era tão importante como achava ser.

A verdade sobre o tetris

Acontece que algumas peças simplesmente se encaixam
no tempo que devem se encaixar
E mesmo que as vezes haja algumas lacunas
o final é sempre o mesmo...
assim como as pessoas...