sexta-feira, 27 de julho de 2012

como ssomos

minha extroversão começa com o cromossomo y
se amostrando entre as pernas

intro versão:
a sua letra é o x da questão
caverna que platão
não deve ter conhecido

por nós
não é segredo nenhum que
o y esconde grafias pornôs
em algum alfabeto micro
ou debaixo da cama

no fundo no fundo
não é segredo nenhum que
o x esconde um pano
subentendido bichos
flores bolinhas e outras estampas coloridas
no fundo de uma gaveta.

sábado, 21 de julho de 2012

Anedota exemplar

"Contràriamente ao referido por alguns, Guimarães Rosa era muito vaidoso e cioso de sua obra. Certa vez, num dos dois colóquios que com êle mantivemos, no Itamarati, exebiu-nos o datiloscrito de um conto inédito, perguntando-nos, ao memo tempo, por que a prosa literária brasileira contemporânea (1964) parecia tão frouxa, desossada, amebóide, em comparação com a sua, mais "pedregosa... e viril". Respondemos, a um primeiro exame da amostragem represntada pelo datiloscrito, que isso poderia resultar, entre outras coisas, de uma freqüencia maior de grupos consonantais. Achou curioso. Quis saber em seguida qual o escritor cuja prosa equipararíamos à dêle. Resposta: "Entre os vivos, nenhum". Rosa: E entre os mortos... Machado?". Resposta: "Não, Oswald de Andrade". Visivelmente, não gostou do nome. E mais tarde, botamos um dos seus contos no computador e lhe enviamos o resultado, que confirmava a observação inicial: uma pequena porcentagem a mais de consoante. Uma pRosa é uma pRosa é uma pRosa..."

.

(in 'Informação. Linguagem. Comunicação.' Da série Debates, editora perspectiva. Décio Pignatari.)

domingo, 15 de julho de 2012

São Pedro da Serra

foi a primeira vez
que vi uma casa
ter cheiro de café

o tempo parar
de correr
e perder a luta

que as coisas
dando errado
davam certo

eu até percebi
um cheiro
tóxico

era o amor
escapando com o
gás de cozinha.

.


(São Pedro da Serra, 08/07/12)

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O sabor de Rubores

Ah, novamente o ar tóxico da internet. Quanto tempo não sentia esta fragrância enferrujando meus pulmões e principalmente meu cérebro. Depois de duas semanas sem pisar neste solo improdutivo, descobri o que jamais poderia imaginar que fosse acontecer na minha vida: estou vivo e burro. Burro mesmo. Parafraseando o coro titânico: a internet me deixou burro, muito burro demais. Erros gramaticais e ortográficos começaram a surgir à balde na minha vida, escapulindo do meu controle a quantidade de passagens constrangedoras que conquistei ao longo dessas duas semanas o que não consegui a minha vida inteira. Por várias vezes - em cada email particular e no trabalho, nas conversas e nas tentativas vãs de compor um poema - mudei de cor e a minha pele passou a ser vermelha ao invés de preta (algumas pessoas me acusariam de extremista, mas eu não me considero pardo ou moreno ou, como diria um tio meu, marrom provocante). E justamente nesse meu momento Nerso da Capitinga, eu comecei a ler o último e primeiro livro de contos do gigante Leandro Jardim. Tirando o título que veio muito bem a calhar, não, uma coisa não tem nada a ver com outra (sem o "haver" Braulio, por favor!)

Sou obrigado, primeiramente, a publicar a minha admiração pelo título "Rubores". Para quem não conhece seus significados, colo aqui o que o mini Aurélio tem a nos dizer: "(ô) SM. 1. A cor Rubra. 2. Vermelhidão nas faces, devido a reação de timidez, indignação, pudor, etc. Desde pequeno sou capaz de sofrer mais rubores do que uma pessoa comum. Sou expert na arte camaleônica de mudar de cor. E o Leandro me lembrou disso com os seus contos ao longo dessas duas semanas em que passei sem a internet.

Na sua estréia com a prosa, o livro começa pegando no tranco. Os dois primeiros contos que abrem engasgam um pouco antes de estabelecer a potência que o motor é capaz. Depois é pura ventania no cabelo, braço pra fora da janela e uma trilha sonora de sensações livres como as lembranças de pequenas situações diárias que passam despercebidas. O Leandro é um jardineiro fiel que trata as palavras com cuidados de sobra conforme já vimos nos seus dois primeiros livros de poemas, à la Pessoa. Seja com a prosa ou com os poemas, o seu orquidário germina e cresce com beleza. Para ele que é o jardim em Pessoa, deve ser fácil cuidar e plantar palavras.

Em cada conto, fui surpreendido com uma risadinha de canto de boca. Impossível não me lembrar de algumas "Despedidas" minhas (para mim o melhor conto do livro), ou, daquele momento em que o papel branco cresce e você encolhe perdendo todas as idéias da cabeça. Fugiram de medo. Seria trágico se não fosse cômico. E as famosas crises, minhas companheiras, que me acompanham sempre e me matam de despeito. Sim, após eu ler "Carta Resposta" assumo que já conquistei o título de neurótico, de que eu "não sou capaz de escrever e me dedicar à astrologia que tanto me consome (ou sou eu que consumo?). Ou é um ou outro". Até hoje ainda não decidi qual ofício exercer para passar fome pelo resto da minha vida.

"(...) Em meio a tantas perguntas, minha agora polêmica dualidade teve início. Senão, vejamos, eu tinha que escolher a forma de expressão artística que eu trabalharia pra cumprir meu recém-defenido papel no mundo. Indeciso, procurei pensar em todas as artes que eu já havia experimentado. Cheguei a ponderar sobre a possibilidade de criar novas vanguardas. Mas não consegui sair muito do óbvio, embora tenha enumerado uma lista grande de opções. Com algum Critério, fui eliminando aos poucos esse excesso de possibilidades. Foi uma tarefa árdua, visto que tudo é muito sedutor no mundo artístico, especialmente quando dialoga com a nossa própria subjetividade. Mas eu estava obstinado, e consegui reduzir as alternativas a duas. Aqueles que me conhecem, já podem adivinhar quais são: fotografia e poesia. Eram realmente as duas formas de expressão artística em que meus interesses e habilidades mais coincidiam. No entanto, eu sabia que, para fazer algo com qualidade e relevância, era preciso dedicação, foco, isto é, escolher entre uma delas."

Ao final do livro passei a me olhar de outra maneira, por outro espelho que jamais fui capaz de perceber e visualizar: que o sabor dos rubores é único, só quem já experimentou sabe como é. Aconselho a todos que, rapidamente, saiam da internet, desliguem o PC e vá experimentar a doce sensação de calor ao ter as maçãs faciais ficarem avermelhadas. Ou vá ler o livro do Leandro.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

quem tem medo do claudio assis?

hoje eu acordei um pouco lebre. sentimento de  preguiça que um dia pertenceu ao bicho homem nos tempos em ele que era apenas um homo sapiens, um macunaíma.
hoje, eu acordei com febre.
não aquela febre ruim onde substâncias químicas inibidoras são liberadas, percorrendo todo o nosso corpo, ultrapassando o nível de substâncias excitatórias presente em nosso organismo. minha febre é justamente o oposto.
hoje acordei excitado. com fome.
fome de quê?
fome de tudo!
O culpado disso?
claudio assis assado.

pra quem não o conhece, claudio assis é diretor de cinema. pernambucano com “p” de “porra”.  sagitariano. sintetizando a verdadeira face hominídea: homem & animal.
em seu primeiro longa metragem: “amarelo manga”, o diretor abre os olhos amarelados para um recife (ou a palavra certa seria: ré-cife?) pós manguebeat.
o seu segundo longa intitulado “baixio das bestas” é um mergulho naquilo que o ser humano tem de melhor e com preços baixíssimos!
já no seu terceiro longa metragem: “a febre do rato”, o primeiro em preto & branco, cl-audio abre as portas da percepção. liga o som até o ultimo volume com pura sonoridade poética.

Febre do Rato é uma expressão popular típica da cidade do Recife que designa alguém quando está fora de controle, alguém que está danado.”
                                            - trecho retirado da página do filme no facebook.

zizo é um poeta malagueta, mangue boy & anarquista que vive de poesia. vive a poesia. zizo é o típico homem que não reprime os impulsos poéticos. o tipo de pessoa que necessita viver a poesia em sua forma mais humana. agitador & agitado, ele publica e distribui um jornal chamado “a febre do rato”.

rato,
animal esse que se assemelha ao homem até mais que o macaco, eu diria. serviu de influência para muitos escritores tais como machado de assis, que em seu conto intitulado:  “conto alexandrino”,  conta a história de dois filósofos: “stroibus & pítias”. ambos tentam provar que toda essência humana encontram-se nos animais.  para isso, os dois bebem sangue de rato e se tornam ladrões.
além do machadão, que também é assis, um outro escritor (podemos chama-lo assim) que utiliza-se também da analogia do rato em seus estudos foi o nosso querido bisavô freud. nesse texto intitulado "o homem dos ratos", freud transcreve o tratamento de um jovem onde tenta formular uma explicação sobre a neurose obsessivo-compulsiva à luz da teoria psico-sexual do desenvolvimento.
cito esses dois autores porque foram os primeiro que me vieram aos olhos; possivelmente outros autores já tentaram provar que o homem originou-se também do rato. tanto que, para mim, muitos homens são mais ratos do que os próprios ratos, e muitos ratos são mais humanos que muitos seres humanos.

continuando na trilha do filme em questão, zizo é um anarquista até encontrar eneida, uma menina que deve ter no máximo 18 anos e que “enche o saco” com as poesias do poeta.
zizo descobre que para entender de poesia, é preciso primeiro entender as musas, em outras plavras, as mulheres. e se tratando delas, nem a ciência é capaz de explicar seus temperamentos de chico.
o extado (estado + extase) de embreaguez da poesia é do começo ao fim.
ela aparece no filme em diversos aspectos: cachaça, mulheres ("Olha que cachaça e rapariga também é poesia.", como diria dona marieta: mãe do poeta zizo) , maconha, homens,sexo, e é claro, em poemas e palavras.
cada estado alterado de consciência é uma manifestação , um contato direto com a poesia como impulso. zizo sintetiza bem quando conversa com o personagem“boca mole”, interpertado por julio carrazé, refireindo-se à maconha: “você é um vendedor de sonhos!”.
ela (poesia) se torna o disfarce, o álibi; alibaba que que rouba a fonte de prazer da caverna de platão e decide jogar na cara dos 40 de ladrões que insistem em não enxergar o que há de mais valioso na vida: o prazer.

em seu belíssimo filme, clauio assis consegue humanizar a poesia ao mesmo tempo que poetiza o homem. 

a nudez, o sexo, o desbunde, e toda essa libertação que parece ter sucegado o faxo nesse momento pós anos 60, voltam como um manifesto de que as coisas andam muito (en)cobertas para o nosso gosto.
todo mundo sabe que o ser humano é feito de desejos, impulsos e estímulos. todos estão carecas de saber que quando acaba o amor, acaba-se tudo. é exatamente por essa via que claudio caminha mantendo-se ainda como um ser humano. não como um artista que subiu de espécie, pelo contrario, ele se assume o homem mais homem da face da terra.
os anos 60 voltam as telas de cinema com as cenas típicas de pornôs chanchadas. valorizando a estética que o ser humano tem de melhor: a sua nudez
(há quem diga que esse é o nosso melhor figurino).


             algumas cenas assustam aqueles que insistem em renegar suas origens humanamente animalesca
                                  
o cenário é recife- mangue town. lugar esse que em meu imaginário é o habitat perfeito para todos os tipos de bio diversidades. o habitat ideal (bota ideologia nisso!) para marx e patota. parece que há um espírito coletivo vindo do inconsciente coletivo da cidade. os artistas todos se juntam para tornar a coisa real. ainda que o simbólico seja a melhor saída para se chegar ao real.
o roteiro é assinado pelo  também pernambucano (com “P” de “porra”) hilton lacerda. o mesmo cabra que assinou roteiros de Peso (com “P” de “porra”) como: “a festa da menina morta”, “baile perfumado” & “árido movie”.
com o cenário + o roteiro prontos, fica faltando a trilha sonora que embala essa viagem poética pelo recife mon´amanga.
cabe ao jorge, o du peixe, vocalista da nação zumbi (para quem não conhece) com ajuda de outros músicos como o virtuosíssimo vitor araújo e a galera do mombojó (esses são os únicos músicos que eu tenho a certeza que contribuíram com o filme).

mergulhando em ré-cife com a música  onírica-ondulantes do du peixe, somos guiados pelos olhos de lente do poderoso walter de carvalho (para quem não o conhece, walter du caralho é diretor de fotografia. registrou com seus olhos de câmera filmes importantíssimos do cinema brasileiro desde o cinema novo).
e se dar para ficar ainda melhor, então podemos listar a escalação do time de atores: irandhir santos ( o deputado fraga-freixo do tropa de elite), nanda costa (a poesia em forma de mulher), matheus nachtergaele, maria gladys, juliano cazarré, vitor araújo, dira paes (participação mais do que especial), entre outros atores que escalam o elenco.

é desse jeito que claudio assis mostra que tá na estrada, ao contrario de outros que dizem estar “on the road” (deixa quieto).
amostrando a vida como ela é no melhor estilo nelson rodriguiano de ser, ele dá brechas brecthianas, quebrando a quarta parede. levando o brasil barroco que não passa na tv.
assi- tindo ao filme, conseguimos entender porque é que claudio nunca passeou em cannes.
acho que nossos colonizadores europeus, assim como muitos espectadores brasileiros, temem o artista brasileiro mal criado.


quinta-feira, 5 de julho de 2012

rumores

o que você ouve nesse exato momento? sua mente? a semente germinando? insetos?

eu, por exemplo, adoro o barulho do silêncio.
o silêncio é um ótimo aliado para aqueles que gostam de trabalhar a mente, apesar de outras pessoas  preferirem o barulhos de coisas. bagulhos & outras coisas.
e é ouvindo as palavras escritas de leandro jardim que eu penso, repenso & repasso o lirismo que tem me deixado aliviado (coisa essa que eu não sinto há muito tempo) quando me deparo com o silêncio poético do livro “rubores” do poeta e compositor leandro jardim.

em seu primeiro livro de contos, leandro carrega tranquilamente o fardo de seu sobrenome.os contos que seguem no livro são verdadeiras composições poéticas, passando de um tom grave para um tom mais agudo. são textos compostos de dialéticas amorosas, como nos casos dos contos “liberdade cativa” e “Penumbra”; transitando também pela dialética artística filosófica de cada dia, na vida de um artista, seja ele um escritor ou um fotógrafo (“ o jogo de espelhos”), ou até mesmo um biólogo (“criatura”).
há rumores de que todo poeta precisa ser um cara pra frente. avant!
mas essas mesmas pessoas esquecem avant-agem que é ter o domínio das palavras escritas, coisa essa  ou essa coisa que todo jardim desperta na gente (imagens em ação. imaginação). digamos que o jardim gramatical do leandro é um conversa íntima com os nossos olhos-ouvidos.
(inclusive admiro a introversão dos escritores. para mim, todo escritor precisa ser um pouco introvertido. a introversão nos faz retratar o mundo com uma versão particularmente nossa.  e leandro é um introvertido de cabeça cheia!).
são esses rumores que nos passam despercebidos e que o compositor se preocupa em nos fazer ouvir. o livro fala dos momentos vermelhos que passamos em nossas vidas, com ou sem o novo fiat. um vermelho das angústias roídas (“rubores e outros detalhes”) ou um vermelho de amor que faz o tempo parar (“parotempo”). na literatura clara & escura, carlos drummondiana de jardim , tudo é feito com paixão ou movido por ela.

terminei de lê-lo, tive a sensação de ter ouvido rumores de que a poesia é sempre fêmea enquanto o poema fica tendo o papel de macho. mas nesse caso, leandro pula para a prosa, que como dizem esses mesmos rumores:  é a poesia-sapatão (com o poder do discurso & o perdão da palavra).
mas  isso também não é nada demais, são apenas rumores introvertidos de um escritor que adora trabalhar com a mente (“...essas caraminholas na cabeça...”) e ela, por sua vez, acha divertido me pregar peças.


e como despedida, deixo aqui registrado no restante do corpo branco do papel digital, o conto intitulado “a despedida” .


“ A despedida

Os outros não, mas a gente se beija. Não um beijo românico, falo daquele de cumprimento entre amigos. Gesto que ele nunca oferece a nenhuma outra, apenas a mim. Não que seja por antipatia, é apenas o hábito do grupo. Mas comigo é diferente, a mim ele beija. Beija minhas bochechas quando nos despedimos, o que é sempre depois que os outros já foram. Porque continuamos conversando. Porque estamos muito próximos. Do grupo, posso assegurar, somos os nossos melhores amigos.
 Na verdade, não é bem um beijo na bochecha que damos, nossos rostos é que se tocam enquanto estalamos os lábios para o ar. Duas vezes, uma de cada lado. Mais que a intenção, o que ele avança e eu posso sentir seu cheiro. Que é estranho, mas me agrada, não sei por que, de algum lugar me conforta.
 Além disso, ele é tímido, e adoro notar o seu constrangimento quando chega a hora de partirmos cada um pro seu canto. É como se ele fosse mudo e eu uma professora da linguagem de sinais. Leio tudo no detalhe. Ele pensa que não diz, mas normalmente seus olhos me falam o seguinte. 'Tenho que ir. Que pena. Como eu digo que chegou nossa hora? Ah, ainda bem que ela disse antes. Bom, então vou dar um beijinho de despedida. Melhor não. Ah, vou sim, a gente sempre dá'. Eu tanto sei que a sequência é essa que dou a minha contribuição no momento exato. Disso eu não tenho dúvida, nem deixo de cumprir meu papel.
 Eu diria que não é um beijo romântico também porque ele é um rapaz comprometido, tem namorada. E eu uma moça correta, como dizem meus avós, recatada. Do contrário, acho que teríamos potencial para ir mais fundo. Ultimamente, por exemplo, antes do rosto, ele toca sua mão em meu braço, e posso sentir sua temperatura, invariavelmente acima da minha. Nesse instante sempre algo palpita mais forte. Às vezes acho que é ele, sinto o ritmo de sua pulsação. Noutras tantas não me engano, quase me engasgo de tanto que bate o coração.
 Também temos aprofundado o beijo. Que mal pode haver? É esse o nosso momento, o único lampejo que temos. Se ele sabe, planeja, não sei. É possível. Mas duvido que não note. Desde a semana passada, ando acrescentando uma pimenta à nossa relação. Eu sei que falando assim pareço uma mulher casada. Vejo isso nas séries de tv. Mas pra mim, aquele breve caminhar depois da escola, até o ponto de ônibus, que sempre fazemos juntos, é o nosso casamento. Ali, apesar dos passantes, somos apenas nós, e um do outro. Embora com todo o recato, claro. Ou nem todo, algum.
 O primeiro beijo agora eu sempre dou estalando minha boca em contato direto com a maçã do seu rosto. No início ele se surpreendeu, mas agora já o percebo movimentando a cabeça da maneira ideal, que é doce. É um menino-menino, o meu menino. Eu é que fico pensando em avançar mais. Mas logo me reprimo. E, então, o desejo retorna novamente. E por aí vai, vou, vamos. É culpa nossa o desejo? Tudo bem confesso, na verdade eu já acrescentei mais emoção à nossa despedida. Secretamente quando trocamos o lado do beijo, calculo a inclinação exata do meu queixo e o instante perfeito de exalar a respiração. O faço da maneira que recaia sobre os pelinhos de seu pescoço uma baforada morna. Uma vez, por estar o meio-dia fervendo, inverti e soprei. Às vezes, eu mesma me impressiono com a minha astúcia. Mas também a gente aprende tanta coisa na televisão. Quando inaugurei essa tática, ele se arrepiou tanto que balançou o corpo bruscamente. Quase me acertou uma cabeçada. Sua cara no mesmo segundo inchou de tão vermelho. Mas isso eu não vi, já que abaixei o rosto disfarçando o sorriso da vitória.
 Aí vem o ônibus. Ele até deixa o primeiro passa, às vezes o segundo. O recorde que eu contei foi de três, da mesma linha. É como se fosse um disco voador cuja missão é abduzi-lo. Irrompe a esquina do nada, brusco e metálico. E quando freia grita agudo, estridente, só pra me irritar ainda mais. Mas esse é o meu sinal sonoro. Antes que ele se dê conta, eu já avancei sobre sua bochecha, geralmente com a minha mãe esquerda se aquecendo em seu ombro. E repetimos nosso ritual em cada detalhe macio. Meu plano agora é faze-lo arrepiar de maneira tão desconcertante que perca o ônibus mais uma vez. Quem sabe assim ele toma vergonha na cara e me acompanha até o portão de casa. Antes de partir.”