sábado, 24 de julho de 2010

Dia do amigo

Não importa o quanto você não se importe. algumas pessoas, simplesmente se importam. Lucas, simplesmente, abominava tudo isso. utilizava seus grandes olhos negros de poeta triste para recriminar a todos. principalmente a sua chefe, uma velha sozinha, solteira, resmungona, que morava com a mãe e um pincher na Tijuca. e que passara a manhã inteira ligando para os outros e lhes desejando um feliz dia do amigo. até para as suas vizinhas, que nunca eram lembradas, mesmo quando se esbarravam pelo corredor, e não se permitiam um simples bom dia, fez questão de se desculpar pela vida conflituosa que levava com a mãe e seu cachorrinho. nenhuma delas a reconhecia pelo telefone.
Lucas não estava contente com esse dia, e não suportava quando alguém do seu trabalho vinha lhe desejar um "feliz dia do amigo" com a mão estendida, insinuando um aperto de mão. um sinal de acordo e de paz como faziam os grandes líderes políticos. e ele era obrigado a retribuir o gesto. mas já no final do expediente, recebera uma msg misteriosa pelo rádio com os seguintes dizeres: "amadoro". o que era aquilo? amadoro? amador? ficou algum tempo olhando para o seu rádio aberto. não conseguia identificar o número do mensageiro, pois seu rádio não era habilitado para isto. pensou ser obra de seus colegas sacanas do trabalho. mas aí recebera outra msg logo em seguida. e a sacanagem tinha um começo: "A amizade não tem preço. Mas você vale ouro. Feliz dia do amigo! te..."
Lucas praticamente se perdeu nessas palavras. não respondia mais a nenhum estimulo que viesse de fora, da sua chefe, de seus colegas, dos e-mails... levou um tempão para voltar à realidade. e quando voltou, resolveu ir atrás do autor dessa msg.
primeiramente, recorreu ao seu tio, um velho calmo e sábio, porém esquecido. que diariamente lhe mandava mensagens, mas esquecia que o sobrinho não poderia respondê-las por não identificá-las. antes, de forma amigável, Lucas daria-lhe um esporro regular, pela insistência em mandar as msgs. "era perda de tempo" - diria. e depois, agradeceria pelas palavras. mas seu tio não respondeu por isto. não por esta. e Lucas sentiu-se obrigado a ligar para os mais próximos.
ligou para as suas amigas, para a sua mãe, para os irmãos..., na intenção de capturar o autor, perguntava a todos com um enorme ar de alegria e de convicção: "você me mandou uma msg pelo dia do amigo né? pode confessar! eu adorei!". mas nenhum deles se acusava. e mesmo desapontado, Lucas desejou um feliz dia do amigo a todos, da mesma forma.
ao término do expediente, Lucas já estava chegando à conclusão de que havia participado de um grande equívoco. acabara de receber uma msg errada. mas, e daí?! aquilo já havia alterado completamente seu dia. Lucas já havia telefonado para Deus e o mundo. até para o dono de um "apertamento" bem arrumado, no bairro Peixoto, em copa, do qual ele havia acabado de conhecer e alugar. "A amizade não tem preço", "você vale ouro", "amadoro". essas palavras o atingiram tanto, que ele já se sentia um rei, em meio às pilhas de trabalhos acumulados. e não preocupava nem um pouco por isso. Satisfeito, voltou para a sua casa sentindo o verdadeiro peso de uma amizade, dos pequenos gestos amigáveis e das palavras ditas nas horas certas. retirou da mochila um bloco de papel em branco e uma caneta, e começou a escrever um lindo poema no parapeito da janela. iniciou o poema com a seguinte frase: " Não importa o quanto você não se importe. Algumas pessoas, simplesmente se importam". e Lucas, simplesmente, amadorou tudo isso. até o fim.