Zé, que já conseguia abrir os olhos, enxergava o mundo ao seu
redor.
- Será que ainda estou sonhando?
Ele reconhece o lugar onde está. Sol. É dia. Apenas o cheiro do cigarro do
Chimpanzé-velho. Fumaça. Zé escuta a voz do Chimpanzé-velho falando em seu
ouvido:
- O sonho é apenas a outra face da realidade.
Zé precisava ter a certeza de que estava na realidade que conhecia. Caminhou
no meio do mato e chegou até o grupo de bonobos que logo reconheceu.
Todos eles, como de costume, alguns de barriga para cima, outros de barriga
para baixo, praticavam o sexo.
Zé olhava-os se divertindo e não conseguia mais achar prazer naquilo
tudo.
- Por que eles se divertem ao invés de conhecerem o mundo?
- Porque o conhecimento vem do prazer – respondia o velho primata em
seu ouvido.
- O prazer é uma manifestação divina?
- E o que não é manifestação divina? Nascemos dele, carregamos ele
dentro da gente.
- Eu não quero carregar ninguém dentro de mim. Me assusta saber que tem alguém me olhando a todo momento.
Zé olha para todos os lados e sente que está sendo observado.
- Quem observa também é observado.
- O que você está querendo de mim, afinal?
- A verdade.
- Eu já não te disse?
- Não é a mim que você deve dizer.
Zé sai daquele lugar procurando pelo Chimpanzé-velho. Ele percebe
que a fumaça vai aumentando no meio do mato.
- Tem algo pegando fogo na mata.
- Nem sempre onde tem fumaça, tem fogo.
Zé consegue ver o velho primata deitado com o seu cigarro na boca.
Seus olhos continuam azulados mas agora não brilham, por causa da claridade.
- Você esteve aqui o tempo todo?
- Nós estivemos aqui o tempo todo.
- Que tolice...
- O tempo é tolo.
(silêncio).
- Você achou o seu próprio tempo? – perguntou o velho chimpanzé
saltando do chão com uma habilidade que não condizia com a sua realidade. –
Você precisa achar o seu tempo, que é diferente do tempo do mundo. - O Chimpanzé-velho lhe aplica uma “benção” no meio de sua
barriga. Zé contorce-se de dor. Sua barriga já estava doendo de antes.
O velho primata se aproxima do rosto de Zé:
- Você precisa se encaixar no tempo do mundo, dos Outros. Ache o
meu tempo e você achará o seu tempo.
O chimpanzé-velho dá um mortal para trás e espera Zé se levantar. Zé levanta-se
e percebe que precisará brigar pelo seu tempo.
Eles jogam capoeira dentro da mata.
(Para ler ouvindo “A Capoeira” do grupo
Ayahuasca).
- Você precisa entender que a vida é feita de “jogos”. Você, para
dialogar com o mundo, precisa achar o “tempo” das coisas. Quebre o meu tempo e
você achará um tempo que não existe na realidade.
Zé percebe que pode conseguir atingi-lo quando age no contra-tempo
da ginga do Chimpanzé-velho. O velho primata, muito experiente e sabido,
esquiva-se dos golpes de Zé enquanto gargalha:
- O tempo só existe na nossa cabeça! O tempo do corpo é diferente
do tempo da mente!
Zé lhe aplica uma armada, mas não estica o pé no alto, como deveria, mas sim
lhe dando uma rasteira fazendo o velho chimpanzé cair no chão. O velho primata
permanece no chão rindo.
- Você agora se chama “Vagalume”. Será aquele que na escuridão traz a luz.
Carrega dentro de si a luz da lua. Você vai voar e iluminar a escuridão,
Vagalume.
O Chimpanzé-velho coloca um cordão com um pingente de Lua no
pescoço de Zé.
- Não se esqueça, a luz vive fora e dentro. Você precisa saber
usa-la de forma consciente. Não deixe que as tentações lhe atrapalhem. A
verdade está em Deus, no “Eus”. E quando achares que está sonhando, lembre-se
que a vida é um grande sonho. Agarra-se a uma realidade qualquer e ela passará
a ser a única realidade.
O Chimpanzé-velho some dentro da mata rindo e dando piruetas no ar.
Zé abre os olhos e percebe que está vomitado no chão. Sua barriga quase não
dói. Em seu pescoço há o cordão que recebeu do Chimpanzé-velho. É dia.
A realidade é essa.