quarta-feira, 10 de outubro de 2012

nem tão parecido assim

E eu continuou no esquema do "se reconheça num amigo seu" e no "tudo que é bom deve ser copiado e colado". No mais, Nada é de nada, tudo é de todos. A geladeira está aí para isso, para provar que nada é algo totalmente compartilhado. Até as choradinhas do nada. E o mais importante é que o papel é a melhor maneira de secar o seu rosto. Secar o rosto com o rosto dos seus amigos. Fica com cadim de cada um. E eu, atualmente, pareço muito com o Luca Argel e o seu livro de poemas "esqueci de fixar o grafite", lançado pela 7Letras.

Tirando o fato de que eu também sou barbudo, magro e toco violão, é, até que eu pareço com ele sim. Alguns já me disseram. Numa lógica rápida aristotélica, seriamos, eu, Clone e Luca, como um único zigoto triplicado de forma univitelina. Que legal! E eu me orgulharia porque eu queria ter algum dos nomes que ele escolhe para os seus poemas (Os melhores nomes que um poema poderia receber): "ficar em pé numa cadeira com rodinhas", "o dia em que não furei mais meus pés nos grampos da rocama", "aquele dia em que você abre a geladeira dá de cara com um saquinho de couve e da uma choradinha" e " ainda sonho em lembrar o nome daquela banda daquele clipe ótimo". É tão bão que chega a dar raiva.

Luca Argel é a voz do inconsciente. Ele escreve num tom baixinho, quase sussurrando numa timidez convicta de que para se ouvir poesia é preciso ouvidos surdos. O surdo que não fala, porque escrever concentrado na capacidade de se ouvir internamente é o mesmo que escrever falando para o interno de todos. E eu até adoro a ideia dos internos, mas não sou tão bão na arte de falar. O que não me deixa tão parecido assim com ele.

Ele e Victor Heringer são para mim, atualmente, pessoas que saberiam se comunicar com todos somente escrevendo, sem precisar gastar uma saliva com as palavras faladas e muitas das vezes cuspidas. São dedos em pessoa. São as coisas se repetindo em clarezas. Repeteco de um filme inédito da sessão da tarde. São pimba na gorduxinha. E aí, aí que eu com ele nem sou tão parecido assim.

meu novo hobby é me arrumar e depois não sair

que tive dois segundos para
desistir
e usei ambos para pensar em desistir
e o restante para pensar na idade da pequena cicatriz
sobre o dorso da sua mão direita
de qual banco de corais
ela descende

pensei que era segunda e era quarta

vamos agora endereçar papéis
a uma placa de carro
boletins domésticos
não fiz cópia da chave
dormirei hoje com uma farpa sob cada unha
e as pálpebras apresentarão amanhã claro sinais de
arrombamento

repito
registrar o óbvio
faz parte do trabalho


estragando tudo desde 1987

sim eu sei que são apenas lâmpadas coloridas no chão
mas talvez você queira ver isso
bolas de vidro sem o futuro dentro
eu atravessando as ruas muito melhor
sem você ao me lado
e mais do que as lâmpadas
isso eu queria mesmo que você visse