terça-feira, 11 de dezembro de 2012

gramatică limbii române cinematografiei

Verão, Rio de Janeiro, 2012. Com o clima e os termômetros apontando para mais uma quebra, os cariocas já conseguem visualizar nos painéis eletrônicos o fim do mundo antes da hora estipulada pelos Maias: "Ê, ô, ê, ô! O fim do mundo é o calor!" Só há uma maneira de saborear o mundo enquanto ele volta à estaca zero: derretido. Como um pacote de sacolé que não resiste na mão de uma criança. E o final de semana quase não resistiu a tantos apuros. Foram festas e mais festas em homenagem aos mortos-vivos que ainda não morreram, em nome do pai, do filho e dos espíritos santos que abençoam esta cidade ex-maravilhosa. Estamos na época das ofertas e queimações. E para o velho Noel, os pedidos este ano acumularam a extraordinária necessidade que o homem tem de satisfazer-se sozinho: colocando algo na boca. De preferência gelado, para refrescar. E de, além de um domingo calmo e ameno (São Pedro foi generoso), palavras para encontrar na refrescância de hálito, uma língua nova. Já que a minha ficou desgastada, morta nalgum canto do mundo que não tem nada a ver com o calor do Brasil e carnaval. Mas que no fundo deu samba.

O domingo, como é comum na vida de todos, é o dia de. De não se fazer nada, de ver um filme que há tempos está parado no HD do computador, de ajeitar o quarto, de escrever seu relatório da última aula que está parado, de ir à praia... Mas meu domingo, além de irmão, é sempre um retorno a um caso perdido. Não à toa, escolhi um filme romeno para assistir ao* domingo (*lê-se "ao lado de"). "Poliţist, adjectiv" é um drama policial do diretor Corneliu Porumboiu lançado em 2009 e que garantiu ao diretor o prêmio de melhor filme no júri popular da seção "un certain regard" e um lugarzinho ao sol de Cannes. E a coisa não para por aí. O diretor Corneliu Porumboiu faz parte da nova geração de diretores romenos, dos que levantam a cabeça, arregaçam as mangas, colocam as mãos na massa para pintar um novo cenário no pano de fundo uniforme deixado pela extinta ditadura comunista e que está caindo na graça dos festivais de cinema na europa. "Nouvelle Vague romena", "Nouvelle Vague do leste europeu" ou "Nouvelle nouvelle Vague" são alguns dos batismos concedidos dos mais velhos, os bem preparados e equipados cinemas europeus à nova geração.


Na Romênia é tão difícil ser romeno que a maioria deles vai parar na França (no caso dos cineastas e a maioria dos poetas) e em Portugal. A Romênia é um lugar de passagem, dos ciganos cantadores, dos cultos folclóricos em louvor a uma força maior. O Conde Drácula, como todos sabem, e apenas isto. Mas este país bucólico, de sangue e origem latina, da língua miscigenada de definição exótica (ítalo-franco-portunhol?), desde a copa de 94, está mostrando as suas garras e dentes afiados para nadar contra a maré e dar a volta por cima das ruínas deixadas pelo seu último ditador Nicolae Ceauşescu. Na realidade, ou "neo-realismo" romeno, nadar contra a maré é com eles mesmos. Os romenos estão na busca por uma identidade, num momento em que eles não se consideram dignos de sua própria existência, na mais pura dinastia à corrente absurda-dadaísta criada por Eugène Ionescu e Samy Rosenstock (a.k.a Tristan Tzara), o cara da foto:


Como a maioria dos filmes romenos é de cunho político e de críticas ao antigo governo, "Poliţist, adjectiv" é um silencioso sermão daqueles que lutam manifestando e reivindicando novas formas de controle e leis estatais. No equilíbrio entre as leis federativas x éticas, a calada vida dos cidadãos romenos no pós-comunismo ganha voz com pequenos "bê-a-bás" engatinhados. No filme quase não há diálogos.A sequência de cenas estáticas e monótonas na rotina do policial Cristi, recém casado com uma professora (ao que tudo indica), que busca um flagrante para um caso entre três jovens usuários de haxixe, dois meninos e uma menina, onde um deles é o fornecedor traficante, é morna o suficiente para um bocejo. O seu informante e um dos meninos, Alex, é o principal suspeito, mas não há provas o suficiente para incriminá-lo e é aí que a consciência de Cristi esquenta. A falta de palavras e significados é o principal problema da história, problema esse que precisa ser levado à rixa. Cristi, assim como a maioria, desconhece as regras gramáticas da língua. Duvida das normas e da capacidade de quem as preparou. Desconfia da austeridade da academia de letras e das figuras de linguagem comumente relacionadas à poesia.


No entanto, só se é ouvido aqueles que falam, a palavra é o código de barra para a leitura de novos valores. Estamos falando de preço, preço. E quem é que não paga o preço de sermos o que somos? Em romeno ou português, espanhol ou francês, a autenticidade está carimbada na língua. Perdemos a cara se perdermos a língua, e na nossa evolução, estamos mais próximos dos ciganos que ainda não se acharam no mundo do que imaginamos. Até que se prove o contrário, somos todos romenos.