segunda-feira, 14 de maio de 2012

diário de uma assassina

Leituras de romances policiais, crimes investigativos, assassinatos e mortes insolucionáveis. Quem me conhece sabe que nunca fui fã dessas leituras misteriosas, de suspense, justo porque eu detesto suspense. Tudo que cria suspense e contém surpresas, e aumenta a minha adrenalina e batimentos cardíacos, eu abomino. Não nasci para sofrer fortes emoções. Não levo jeito com esportes radicais, por isso. Mas para todos os casos existem casos e casos. Uma exceção existe sempre como curinga no meio do baralho.

O livro que terminei de ler, "Impublicáveis" da poeta Ana B., não é um romance, em suas estruturas de criação e forma, e nem de longe pode ser chamado de policial. Mas carrega a aura psicológica dos relatos de um assassino em série. A começar pelo título escolhido pela autora para um livro de poesia. Quero dizer, de poemas (para mim a poesia não está catalogada como um estilo literário). "Impublicáveis". Poemas são impublicáveis por si só. Não é à toa que poemas nascem às escondidas e todo livro de poemas tem um "quê" de diário. Depois pela assinatura, a marca registrada de todo assassino que quer aparecer, mas que prefere não ser reconhecido. Ana B. que também pode ter referência à outra assassina dos anos 70, Ana C. E por último, não há como negar que todo poeta é duplamente criminoso. Um romântico desenfreado e um assassino em ação. No caso da Ana B., poderemos classificá-la como uma assassina de terceiro grau. Por ser mulher, antes de tudo, os seus crimes encantam por ter sedução. A sedução, em mãos erradas (ou certas?), pode virar uma arma letal.

Os poemas de "Impublicáveis" relatam crimes que são cometidos todos os dias, por diferentes tipos de assassinos e assassinatos. Vítimas e criminosos que se confundem na moral da história. Nós, animais pessoas, pouco falamos sobre nossa predisposição à matança e violência. Somos açougueiros natos. Ana B. publica os impublicáveis relatos de nós mesmos com mãos que escrevem para outras mãos decepadas, com " a pele soltando da mão/ Parece um paço de dança/ Parece doença". Como no poema "Exercícios sobre a carne n° I": "Porque nenhuma palavra vai dizer/ O que fica tenro e morno quando você respira/ COMO A CARNE PODE SER APETITOSA./ Seria mais simples se fizéssemos os cortes certos/ E sentados à mesa, polidamente, nos satisfizéssemos./ Mas somos animais/ Nos rasgamos sempre."

Ninguém escapa dessa vida de crimes. Nem Vênus, nem "Psique anoréxica e viciada" e nem "Eros maldito" estão livres.

Aos pedaços

I

Na minha insônia você pela minha casa andando flácido
escorrendo no fogo.
Contando mentiras. Chupo a bala de menta
Verde como só seus pés poderiam ser numa fábula
Esqueçamos as considerações complicadas:
Não escondo os comprimidos. A gilete mora ao lado
Da ferrugem que anuncia a janela e o limite_ estão fechados;

Amamos cenas e fachadas.


II

Até quando você sorrirá como se o amor não fosse uma devastação?
Teu cheiro desfila pelo balcão do açougue um sonho azedo
Inflama feridas cultivadas.
Está tudo em trânsito sobre o travesseiro há uma fábrica
Um poste, um prego, um mapa
Para a morte
Que descansa no teu peito aberto.


III

No intervalo, queria comer seu armário
Mastigar cada bolso, cada botão_ para que estivesse sempre nu
Nuca pipoca quebra-queixo aos pedaços um corpo
De carne com um esqueleto dentro
Tinha dentes, tuberculose e um tigre.
Classificação etária:
Contraindicado para quem acredita
Na ficção da sessão da tarde.


IV

Nunca anoitece se nos dissolvemos
Comprimidos entre nós anúncios de farmácias.
Você me atravessa como uma rua segura que te leva vivo,
Mas há violência em todas as curvas
(Patrocinada pela Pirelli)
Quem pode voar em meio a carros tão apressados?