quarta-feira, 11 de julho de 2012

O sabor de Rubores

Ah, novamente o ar tóxico da internet. Quanto tempo não sentia esta fragrância enferrujando meus pulmões e principalmente meu cérebro. Depois de duas semanas sem pisar neste solo improdutivo, descobri o que jamais poderia imaginar que fosse acontecer na minha vida: estou vivo e burro. Burro mesmo. Parafraseando o coro titânico: a internet me deixou burro, muito burro demais. Erros gramaticais e ortográficos começaram a surgir à balde na minha vida, escapulindo do meu controle a quantidade de passagens constrangedoras que conquistei ao longo dessas duas semanas o que não consegui a minha vida inteira. Por várias vezes - em cada email particular e no trabalho, nas conversas e nas tentativas vãs de compor um poema - mudei de cor e a minha pele passou a ser vermelha ao invés de preta (algumas pessoas me acusariam de extremista, mas eu não me considero pardo ou moreno ou, como diria um tio meu, marrom provocante). E justamente nesse meu momento Nerso da Capitinga, eu comecei a ler o último e primeiro livro de contos do gigante Leandro Jardim. Tirando o título que veio muito bem a calhar, não, uma coisa não tem nada a ver com outra (sem o "haver" Braulio, por favor!)

Sou obrigado, primeiramente, a publicar a minha admiração pelo título "Rubores". Para quem não conhece seus significados, colo aqui o que o mini Aurélio tem a nos dizer: "(ô) SM. 1. A cor Rubra. 2. Vermelhidão nas faces, devido a reação de timidez, indignação, pudor, etc. Desde pequeno sou capaz de sofrer mais rubores do que uma pessoa comum. Sou expert na arte camaleônica de mudar de cor. E o Leandro me lembrou disso com os seus contos ao longo dessas duas semanas em que passei sem a internet.

Na sua estréia com a prosa, o livro começa pegando no tranco. Os dois primeiros contos que abrem engasgam um pouco antes de estabelecer a potência que o motor é capaz. Depois é pura ventania no cabelo, braço pra fora da janela e uma trilha sonora de sensações livres como as lembranças de pequenas situações diárias que passam despercebidas. O Leandro é um jardineiro fiel que trata as palavras com cuidados de sobra conforme já vimos nos seus dois primeiros livros de poemas, à la Pessoa. Seja com a prosa ou com os poemas, o seu orquidário germina e cresce com beleza. Para ele que é o jardim em Pessoa, deve ser fácil cuidar e plantar palavras.

Em cada conto, fui surpreendido com uma risadinha de canto de boca. Impossível não me lembrar de algumas "Despedidas" minhas (para mim o melhor conto do livro), ou, daquele momento em que o papel branco cresce e você encolhe perdendo todas as idéias da cabeça. Fugiram de medo. Seria trágico se não fosse cômico. E as famosas crises, minhas companheiras, que me acompanham sempre e me matam de despeito. Sim, após eu ler "Carta Resposta" assumo que já conquistei o título de neurótico, de que eu "não sou capaz de escrever e me dedicar à astrologia que tanto me consome (ou sou eu que consumo?). Ou é um ou outro". Até hoje ainda não decidi qual ofício exercer para passar fome pelo resto da minha vida.

"(...) Em meio a tantas perguntas, minha agora polêmica dualidade teve início. Senão, vejamos, eu tinha que escolher a forma de expressão artística que eu trabalharia pra cumprir meu recém-defenido papel no mundo. Indeciso, procurei pensar em todas as artes que eu já havia experimentado. Cheguei a ponderar sobre a possibilidade de criar novas vanguardas. Mas não consegui sair muito do óbvio, embora tenha enumerado uma lista grande de opções. Com algum Critério, fui eliminando aos poucos esse excesso de possibilidades. Foi uma tarefa árdua, visto que tudo é muito sedutor no mundo artístico, especialmente quando dialoga com a nossa própria subjetividade. Mas eu estava obstinado, e consegui reduzir as alternativas a duas. Aqueles que me conhecem, já podem adivinhar quais são: fotografia e poesia. Eram realmente as duas formas de expressão artística em que meus interesses e habilidades mais coincidiam. No entanto, eu sabia que, para fazer algo com qualidade e relevância, era preciso dedicação, foco, isto é, escolher entre uma delas."

Ao final do livro passei a me olhar de outra maneira, por outro espelho que jamais fui capaz de perceber e visualizar: que o sabor dos rubores é único, só quem já experimentou sabe como é. Aconselho a todos que, rapidamente, saiam da internet, desliguem o PC e vá experimentar a doce sensação de calor ao ter as maçãs faciais ficarem avermelhadas. Ou vá ler o livro do Leandro.