quinta-feira, 5 de julho de 2012

rumores

o que você ouve nesse exato momento? sua mente? a semente germinando? insetos?

eu, por exemplo, adoro o barulho do silêncio.
o silêncio é um ótimo aliado para aqueles que gostam de trabalhar a mente, apesar de outras pessoas  preferirem o barulhos de coisas. bagulhos & outras coisas.
e é ouvindo as palavras escritas de leandro jardim que eu penso, repenso & repasso o lirismo que tem me deixado aliviado (coisa essa que eu não sinto há muito tempo) quando me deparo com o silêncio poético do livro “rubores” do poeta e compositor leandro jardim.

em seu primeiro livro de contos, leandro carrega tranquilamente o fardo de seu sobrenome.os contos que seguem no livro são verdadeiras composições poéticas, passando de um tom grave para um tom mais agudo. são textos compostos de dialéticas amorosas, como nos casos dos contos “liberdade cativa” e “Penumbra”; transitando também pela dialética artística filosófica de cada dia, na vida de um artista, seja ele um escritor ou um fotógrafo (“ o jogo de espelhos”), ou até mesmo um biólogo (“criatura”).
há rumores de que todo poeta precisa ser um cara pra frente. avant!
mas essas mesmas pessoas esquecem avant-agem que é ter o domínio das palavras escritas, coisa essa  ou essa coisa que todo jardim desperta na gente (imagens em ação. imaginação). digamos que o jardim gramatical do leandro é um conversa íntima com os nossos olhos-ouvidos.
(inclusive admiro a introversão dos escritores. para mim, todo escritor precisa ser um pouco introvertido. a introversão nos faz retratar o mundo com uma versão particularmente nossa.  e leandro é um introvertido de cabeça cheia!).
são esses rumores que nos passam despercebidos e que o compositor se preocupa em nos fazer ouvir. o livro fala dos momentos vermelhos que passamos em nossas vidas, com ou sem o novo fiat. um vermelho das angústias roídas (“rubores e outros detalhes”) ou um vermelho de amor que faz o tempo parar (“parotempo”). na literatura clara & escura, carlos drummondiana de jardim , tudo é feito com paixão ou movido por ela.

terminei de lê-lo, tive a sensação de ter ouvido rumores de que a poesia é sempre fêmea enquanto o poema fica tendo o papel de macho. mas nesse caso, leandro pula para a prosa, que como dizem esses mesmos rumores:  é a poesia-sapatão (com o poder do discurso & o perdão da palavra).
mas  isso também não é nada demais, são apenas rumores introvertidos de um escritor que adora trabalhar com a mente (“...essas caraminholas na cabeça...”) e ela, por sua vez, acha divertido me pregar peças.


e como despedida, deixo aqui registrado no restante do corpo branco do papel digital, o conto intitulado “a despedida” .


“ A despedida

Os outros não, mas a gente se beija. Não um beijo românico, falo daquele de cumprimento entre amigos. Gesto que ele nunca oferece a nenhuma outra, apenas a mim. Não que seja por antipatia, é apenas o hábito do grupo. Mas comigo é diferente, a mim ele beija. Beija minhas bochechas quando nos despedimos, o que é sempre depois que os outros já foram. Porque continuamos conversando. Porque estamos muito próximos. Do grupo, posso assegurar, somos os nossos melhores amigos.
 Na verdade, não é bem um beijo na bochecha que damos, nossos rostos é que se tocam enquanto estalamos os lábios para o ar. Duas vezes, uma de cada lado. Mais que a intenção, o que ele avança e eu posso sentir seu cheiro. Que é estranho, mas me agrada, não sei por que, de algum lugar me conforta.
 Além disso, ele é tímido, e adoro notar o seu constrangimento quando chega a hora de partirmos cada um pro seu canto. É como se ele fosse mudo e eu uma professora da linguagem de sinais. Leio tudo no detalhe. Ele pensa que não diz, mas normalmente seus olhos me falam o seguinte. 'Tenho que ir. Que pena. Como eu digo que chegou nossa hora? Ah, ainda bem que ela disse antes. Bom, então vou dar um beijinho de despedida. Melhor não. Ah, vou sim, a gente sempre dá'. Eu tanto sei que a sequência é essa que dou a minha contribuição no momento exato. Disso eu não tenho dúvida, nem deixo de cumprir meu papel.
 Eu diria que não é um beijo romântico também porque ele é um rapaz comprometido, tem namorada. E eu uma moça correta, como dizem meus avós, recatada. Do contrário, acho que teríamos potencial para ir mais fundo. Ultimamente, por exemplo, antes do rosto, ele toca sua mão em meu braço, e posso sentir sua temperatura, invariavelmente acima da minha. Nesse instante sempre algo palpita mais forte. Às vezes acho que é ele, sinto o ritmo de sua pulsação. Noutras tantas não me engano, quase me engasgo de tanto que bate o coração.
 Também temos aprofundado o beijo. Que mal pode haver? É esse o nosso momento, o único lampejo que temos. Se ele sabe, planeja, não sei. É possível. Mas duvido que não note. Desde a semana passada, ando acrescentando uma pimenta à nossa relação. Eu sei que falando assim pareço uma mulher casada. Vejo isso nas séries de tv. Mas pra mim, aquele breve caminhar depois da escola, até o ponto de ônibus, que sempre fazemos juntos, é o nosso casamento. Ali, apesar dos passantes, somos apenas nós, e um do outro. Embora com todo o recato, claro. Ou nem todo, algum.
 O primeiro beijo agora eu sempre dou estalando minha boca em contato direto com a maçã do seu rosto. No início ele se surpreendeu, mas agora já o percebo movimentando a cabeça da maneira ideal, que é doce. É um menino-menino, o meu menino. Eu é que fico pensando em avançar mais. Mas logo me reprimo. E, então, o desejo retorna novamente. E por aí vai, vou, vamos. É culpa nossa o desejo? Tudo bem confesso, na verdade eu já acrescentei mais emoção à nossa despedida. Secretamente quando trocamos o lado do beijo, calculo a inclinação exata do meu queixo e o instante perfeito de exalar a respiração. O faço da maneira que recaia sobre os pelinhos de seu pescoço uma baforada morna. Uma vez, por estar o meio-dia fervendo, inverti e soprei. Às vezes, eu mesma me impressiono com a minha astúcia. Mas também a gente aprende tanta coisa na televisão. Quando inaugurei essa tática, ele se arrepiou tanto que balançou o corpo bruscamente. Quase me acertou uma cabeçada. Sua cara no mesmo segundo inchou de tão vermelho. Mas isso eu não vi, já que abaixei o rosto disfarçando o sorriso da vitória.
 Aí vem o ônibus. Ele até deixa o primeiro passa, às vezes o segundo. O recorde que eu contei foi de três, da mesma linha. É como se fosse um disco voador cuja missão é abduzi-lo. Irrompe a esquina do nada, brusco e metálico. E quando freia grita agudo, estridente, só pra me irritar ainda mais. Mas esse é o meu sinal sonoro. Antes que ele se dê conta, eu já avancei sobre sua bochecha, geralmente com a minha mãe esquerda se aquecendo em seu ombro. E repetimos nosso ritual em cada detalhe macio. Meu plano agora é faze-lo arrepiar de maneira tão desconcertante que perca o ônibus mais uma vez. Quem sabe assim ele toma vergonha na cara e me acompanha até o portão de casa. Antes de partir.”