eu, por exemplo, adoro o barulho do silêncio.
o silêncio é um ótimo aliado para aqueles que gostam de trabalhar a mente, apesar de outras pessoas preferirem o barulhos de coisas. bagulhos & outras coisas.e é ouvindo as palavras escritas de leandro jardim que eu penso, repenso & repasso o lirismo que tem me deixado aliviado (coisa essa que eu não sinto há muito tempo) quando me deparo com o silêncio poético do livro “rubores” do poeta e compositor leandro jardim.
em seu primeiro livro de contos, leandro carrega tranquilamente o fardo de seu sobrenome.os contos que seguem no livro são verdadeiras composições poéticas, passando de um tom grave para um tom mais agudo. são textos compostos de dialéticas amorosas, como nos casos dos contos “liberdade cativa” e “Penumbra”; transitando também pela dialética artística filosófica de cada dia, na vida de um artista, seja ele um escritor ou um fotógrafo (“ o jogo de espelhos”), ou até mesmo um biólogo (“criatura”).
há rumores de que todo poeta precisa ser um cara pra
frente. avant!
mas essas mesmas pessoas esquecem avant-agem que é ter o domínio
das palavras escritas, coisa essa ou
essa coisa que todo jardim desperta na gente (imagens em ação. imaginação). digamos
que o jardim gramatical do leandro é um conversa íntima com os nossos
olhos-ouvidos.
(inclusive admiro a introversão dos escritores. para mim, todo escritor precisa ser um pouco introvertido. a introversão nos faz retratar o mundo com uma versão particularmente nossa. e leandro é um introvertido de cabeça cheia!).
(inclusive admiro a introversão dos escritores. para mim, todo escritor precisa ser um pouco introvertido. a introversão nos faz retratar o mundo com uma versão particularmente nossa. e leandro é um introvertido de cabeça cheia!).
são esses rumores que nos passam despercebidos e que o
compositor se preocupa em nos fazer ouvir. o livro fala dos momentos vermelhos
que passamos em nossas vidas, com ou sem o novo fiat. um vermelho das angústias
roídas (“rubores e outros detalhes”) ou
um vermelho de amor que faz o tempo parar (“parotempo”).
na literatura clara & escura, carlos drummondiana de jardim , tudo é feito
com paixão ou movido por ela.
terminei de lê-lo, tive a sensação de ter ouvido rumores de que a poesia é sempre fêmea enquanto o poema fica tendo o papel de macho. mas nesse caso, leandro pula para a prosa, que como dizem esses mesmos rumores: é a poesia-sapatão (com o poder do discurso & o perdão da palavra).
mas isso também
não é nada demais, são apenas rumores introvertidos de um escritor que adora
trabalhar com a mente (“...essas
caraminholas na cabeça...”) e ela, por sua vez, acha divertido me pregar
peças.
e como despedida, deixo aqui registrado no restante do
corpo branco do papel digital, o conto intitulado “a despedida” .
“ A despedida
Os outros não, mas a gente se beija. Não um beijo românico, falo daquele de cumprimento entre amigos. Gesto que ele nunca oferece a nenhuma outra, apenas a mim. Não que seja por antipatia, é apenas o hábito do grupo. Mas comigo é diferente, a mim ele beija. Beija minhas bochechas quando nos despedimos, o que é sempre depois que os outros já foram. Porque continuamos conversando. Porque estamos muito próximos. Do grupo, posso assegurar, somos os nossos melhores amigos.
“ A despedida
Os outros não, mas a gente se beija. Não um beijo românico, falo daquele de cumprimento entre amigos. Gesto que ele nunca oferece a nenhuma outra, apenas a mim. Não que seja por antipatia, é apenas o hábito do grupo. Mas comigo é diferente, a mim ele beija. Beija minhas bochechas quando nos despedimos, o que é sempre depois que os outros já foram. Porque continuamos conversando. Porque estamos muito próximos. Do grupo, posso assegurar, somos os nossos melhores amigos.
Na verdade, não é bem um beijo na bochecha que
damos, nossos rostos é que se tocam enquanto estalamos os lábios para o ar.
Duas vezes, uma de cada lado. Mais que a intenção, o que ele avança e eu posso
sentir seu cheiro. Que é estranho, mas me agrada, não sei por que, de algum
lugar me conforta.
Além disso, ele é tímido, e adoro notar o seu
constrangimento quando chega a hora de partirmos cada um pro seu canto. É como
se ele fosse mudo e eu uma professora da linguagem de sinais. Leio tudo no
detalhe. Ele pensa que não diz, mas normalmente seus olhos me falam o seguinte.
'Tenho que ir. Que pena. Como eu digo que chegou nossa hora? Ah, ainda bem que ela
disse antes. Bom, então vou dar um beijinho de despedida. Melhor não. Ah, vou
sim, a gente sempre dá'. Eu tanto sei que a sequência é essa que dou a minha
contribuição no momento exato. Disso eu não tenho dúvida, nem deixo de cumprir
meu papel.
Eu diria que não é um beijo romântico também
porque ele é um rapaz comprometido, tem namorada. E eu uma moça correta, como
dizem meus avós, recatada. Do contrário, acho que teríamos potencial para ir
mais fundo. Ultimamente, por exemplo, antes do rosto, ele toca sua mão em meu
braço, e posso sentir sua temperatura, invariavelmente acima da minha. Nesse
instante sempre algo palpita mais forte. Às vezes acho que é ele, sinto o ritmo
de sua pulsação. Noutras tantas não me engano, quase me engasgo de tanto que
bate o coração.Também temos aprofundado o beijo. Que mal pode haver? É esse o nosso momento, o único lampejo que temos. Se ele sabe, planeja, não sei. É possível. Mas duvido que não note. Desde a semana passada, ando acrescentando uma pimenta à nossa relação. Eu sei que falando assim pareço uma mulher casada. Vejo isso nas séries de tv. Mas pra mim, aquele breve caminhar depois da escola, até o ponto de ônibus, que sempre fazemos juntos, é o nosso casamento. Ali, apesar dos passantes, somos apenas nós, e um do outro. Embora com todo o recato, claro. Ou nem todo, algum.
O primeiro beijo agora eu sempre dou estalando
minha boca em contato direto com a maçã do seu rosto. No início ele se
surpreendeu, mas agora já o percebo movimentando a cabeça da maneira ideal, que
é doce. É um menino-menino, o meu menino. Eu é que fico pensando em avançar
mais. Mas logo me reprimo. E, então, o desejo retorna novamente. E por aí vai,
vou, vamos. É culpa nossa o desejo? Tudo bem confesso, na verdade eu já
acrescentei mais emoção à nossa despedida. Secretamente quando trocamos o lado
do beijo, calculo a inclinação exata do meu queixo e o instante perfeito de
exalar a respiração. O faço da maneira que recaia sobre os pelinhos de seu
pescoço uma baforada morna. Uma vez, por estar o meio-dia fervendo, inverti e
soprei. Às vezes, eu mesma me impressiono com a minha astúcia. Mas também a
gente aprende tanta coisa na televisão. Quando inaugurei essa tática, ele se
arrepiou tanto que balançou o corpo bruscamente. Quase me acertou uma cabeçada.
Sua cara no mesmo segundo inchou de tão vermelho. Mas isso eu não vi, já que
abaixei o rosto disfarçando o sorriso da vitória.
Aí vem o ônibus. Ele até deixa o primeiro
passa, às vezes o segundo. O recorde que eu contei foi de três, da mesma linha.
É como se fosse um disco voador cuja missão é abduzi-lo. Irrompe a esquina do
nada, brusco e metálico. E quando freia grita agudo, estridente, só pra me
irritar ainda mais. Mas esse é o meu sinal sonoro. Antes que ele se dê conta,
eu já avancei sobre sua bochecha, geralmente com a minha mãe esquerda se
aquecendo em seu ombro. E repetimos nosso ritual em cada detalhe macio. Meu
plano agora é faze-lo arrepiar de maneira tão desconcertante que perca o ônibus
mais uma vez. Quem sabe assim ele toma vergonha na cara e me acompanha até o
portão de casa. Antes de partir.”