segunda-feira, 27 de agosto de 2012

EU + TU = NÓS

uma menina lhe entrega um livro.
- um presente emprestado.
ela diz.
ele olha a capa, um pouco envelhecida. nada de extravagante. na verdade é um livro magro e que parece ter sido feito à mão pelo autor.

“Franklin Pereira Neto”

dentro do livro, na capa, apenas “Franklin Neto”. a simplicidade me cativa.
“ é a sua cara” - ela diz.
“mas é claro. o livro não tem uma cara boa...”
“quem vê cara não vê coração”
já dizia o ditado.

é possível reconhecer um sujeito só pelo seu jeito de escrever?
sin. é possível.
di (ria lacan) que alingua é aquilo que está entre os três registros: imaginário,simbólico e real.
em um dos seus livros de seminários, se eu não me engano no seminário V
(sim, lacan não tem um livro sequer escrito. seus livros são de seminário que ele proferiu durante seus anos de vida)
ele comenta sobre alingua e o sujeito do inconsciente que parece consciente na obra do joyce, james joyce.
o que o sr.lacãhn? quer dizer que a escrita é uma das formas do gozo que transcende a fala?

(é o gozo da fala, eu diria).
dentro dos três registros, mencionados acima: o imaginário – registro em que a criança começa a criar uma noção imaginária do“eu”; o simbólico – registro onde a criança percebe que além dela (eu) existe também objetos que significam algo para ela (Outro, com “A” maiúsculo); e o real – o que falta tanto no imaginário quanto no simbólico; parece que alingua se encontra exatamente entre esses três registros. Podemos enxerga-la nos anéis barromeeanos que lacãhn? utilizou para ilustra-la:





ainda que essa imagem faça parte de um estudo que li na internet (Moisés de Andrade Júnior) a respeito do nome-do-pai e do sinthoma, para mim  ela também serve de modelo para falarmos sobre alingua. afinal, lacãhn? comenta sobre o nome-do-pai e do sinthoma en joy-se depois de falar sobre alingua.



alingua ou lalenguage, de acordo com as palavras escritas de Haroldo de camp-os
em seu ensaio: “afreudisíaco lança na galáxia de lalíngua”, refere-se lalíngua como algo que antecede a própria língua. algo vinculado ao leito materno.
podemos entender então
(ou pelo menos fingir que entendemos),
que o sr. james brincadeira –C, conseguia o gozo da escrita  naquilo que consiste a síntese dos três registros.


na epígrafe do livro de m. magalaner & r.m. kain intitulado “Joyce-the man, the work, the reputation”, podemos ler as brincadeiras que joy-C faz coma sua própria língua:


“ I have discovered I can anything with language that I want”


sim,
james dá um nó em sua própria língua.

esbarramos então no primeiro nó que é tentar decifrar o Outro através de sua escrita.

eu não conheço nenhum franklin neto. e parece que o google também não.
mas ela insistiu que era a minha cara.
“e quem é ela?”
só lhe conhecia apenas através das palavras
(o suficiente para saber que é o sujeito da ortografia que se difere do sujeito discursivo).
“ele é lá do espírito santo”:

“(...) Conheci o autor no final dos anos 80, quando ainda existiam as “pedrinhas” no campus universitário e a gente compunha, escrevia, pintava, projetava, historiava e formava opinião. O ócio era apenas as cabeças de alguns. Nesse tempo os poemas de Franklin já me diziam muito e me faziam refletir sobre o momento, as cousas, as causas e os efeitos. Impiedosos! Escritos em cadernos grandes e espirais, sempre serviam para gente sentar em cima e não esgarçar o jeans no granito universitário. Sempre, em cada ocaso, tinha um poema novo para eu ler, mesmo que rodeado pelas muriçocas do campus (...)”


pelas palavras escritas no pré-facil feito pelo historiador carlos benevides lima júnior, podemos ter uma pequena noção de quem é o poeta franklin.

eis que nas primeiras página do livro esse poeta vai se revelando:

"O Mapa do Ego


Eu estava preso no ar
Mastigando as horas com minhas cáries duras
Espremendo os tumores de minhas palavras
Limpando o chão do meu jovem espírito
Perdendo dinheiro e ganhando tempo
Eu estava cegamente certo
Resoluto na dúvida
Fabricando, em cada gemido inaudível
Dores mentirosas
Estava fugindo do inseticida
Escavando um túnel em mim
Com medo de ser descoberto
Por minhas verdades incompletas
Estava lutando contra os fracos
Eu estava escondido na cara dos outros
Amando medrosamente
Estava-me abortando nos ralos
Pensando no meu mau cheiro
Desenhando meus segredos
Eu levava, numa latinha verde
Meu ser para exames clínicos
Eu estava dentro do muro
Defecando aniversários sem comemorar
Fumando guimbas de misericórdia
Vomitando esmolas que ninguém me deu
Assassinando as eternidades
Correndo atrás do próprio rabo
Eu estava-me esperando
Mas cheguei: antes da hora"

a tentativa de encontrar o ego perdido continua durante todo o livro em outras personificações poéticas intituladas: “O Mapa do Ego II” & “O Mapa do Ego III”.
algumas vezes suas palavras me lembram piva, o roberto:

“Estátuas paraplégicas num jardim sedento

Gritam o desespero da vida derrotada
Estátuas malcheirosas, chias de espinhos
Cultivando o câncer disforme do tempo

Numa monótona agonia
Vozes se quebram na diversidade desértica
Almas transplantadas ficam imaginando atalhos
Que as levem para dentro de sua essência
Numa metamorfose congelada:
a solidão sólida”

“um fotógrafo cego

Vampiros menstruados
Deuses ausentes
Uma borboleta paraplégica
Soldados inteligentes”

todos nós sabemos que para TENTAR
(preste atenção nesse TENTAR)
entender o Outro, é preciso antes TENTAR entender o outro (com “a” minúsculo, como diria lacãhn?). o outro minúsculo é o outro que nos habita. é um sujeito que nós não conhecemos.
e parece que franklin em seu livro  “eus meus” tenta se reconhecer através de suas próprias palavras, ao mesmo tempo que ele se aproxima de seu próprio “outro” ele consegue se distanciar e criar uma visão para enxergar os Outros:

 “Ele se olhava num espelho negro
E bastava fechar os olhos para vê-lo”

“O homem é ridículo
Porque é o único animal
Que possui senso de ridículo”


“Lá fora, alguns
Aqui vários
Lá fora, o limite
Aqui o máximo
Lá fora, o mesmo
Aqui o outro
Lá fora o tempo
Aqui o pensamento”

“ O homem é um ser
Político
E anti-social”

a medida em que os poemas vão aparecendo, outras revelações são expostas de maneira natural. E o poeta parece ter noção de tudo o que vem de dentro dele. Percebe que o mundo e o ego não são o suficiente para ele:

“Meu Herói

Eu tenho o chão inteiro aos meus pés
E a precisão gêmea de uma sombra
Vivo num planeta importado
Andando sobre minha redoma:
o coração pétreo e carente
Que numa cólera morta
Vendeu seu próprio destino
Para se reconhecer
Eu tenho a vida inteira pra trás
Uma luz que a si mesma não vê
Máquinas feitas a mão
O futuro em cada segundo
Acho até que sou a mãe de deus
E quero aplaudir-me de pé
Na minha vez de morrer”

“Eu não sou o melhor

Porque sou incomparável”

“Eu sou eu menos tudo

E a soma do que posso ser
Partes que partem de mim
Sou células que morrem
Bilhões
Num só”

alguns escritores se tornam objetos de estudos daqueles que adoram estudar os Outros. preocupados mais em analisar as palavras dos Outros mais do que as palavras do outro, eles esquecem de olhar para a sua própria escrita.

agora eu sei o que ela quis dizer com o parecer comigo:

“Eu me invadi
Me explorei

Me colonizei
E já sei falar minha língua:
Eu quem?”
 
entre tu & eu existe um nó
tu + eu = nós
 
(muitos nós
nenhum de nós).