quinta-feira, 21 de julho de 2011

chagas

(para B.S.)

Ela jamais poderia ter feito isso comigo. Não dessa maneira. Ter se envolvido com outros, maus elementos, ter me trocado por pequenas embriaguez de felicidade. Ela, que tanto me ensinou a ser íntegra e segura de mim. Me ensinou a superar a perda de uma figura masculina na família. Um homem real, de carne e osso. Agora, eu nem sei o que dizer ao vê-la assim, tão fora de controle, tão fora de si, alucinada e sem o menor respeito por ela mesma. RESPEITO. Uma palavra que jamais faltou à mesa. Com ela, aprendi a ser menina, mulher, reservada, quase casta. "Vôcê está muito dada" - essa é a oração que eu carrego comigo, todos os dias, antes de dormir, ao acordar, durante o trabalho, antes das refeições, de tanto que eu escutei e escutei sair de sua boca. Eu e minhas irmãs podemos ser consideradas santas, na medida do possível. Mas as minhas irmãs ainda são novas. Não entendem ainda o verdadeiro significado da palavra compaixão. COMPAIXÃO. Uma palavra que jamais se perdeu em casa. Nunca, jamais, em minha vida, fui agredida por ela e por suas doces palavras. A impulsividade é uma coisa minha não dela. Ela é incapaz de levantar a voz, quem dirá a mão, para mim e minhas irmãs. As nossas dores, machucados, feridas. Todas curadas por ela. Mas isso, esse descuido com a vida, essa falta de vontade, esse consumo pelo vazio da superficialidade. Isso é inaceitável para a minha condição de mulher. Eu não sei como e nem quando ela começou a se perder assim. Eu não a reconheço mais. Ela, hoje, se foi. Sem ao menos deixar um beijo, como ela sempre fazia nos momentos difíceis. Mas eu também não a quero mais. Não dessa maneira. Ela jamais poderia ter feito isso comigo. Ter deixado essa enorme cicatriz em meu peito. CICATRIZ. Uma palavra irreparável.