quarta-feira, 13 de julho de 2011

Elemento Amor

Amores líquidos(parte 1+II= três)

Naquela hora ela estava estudando. Sussurrando de cabeça baixa algo em francês até levantar a cabeça e dizer a palavra: “ Le amour...”

Amor é como a água. É vital para todo ser humano. Você não precisa ser francês ou brasileiro para saber o seu significado.

“Amour”?

Ela riu. Seria um chamado ou apenas uma piada do acaso ? Acaso os acasos sabem contar piadas ? Nem toda piada é engraçada... às vezes a desgraça é engraçada. Tudo isso leva um pouco de graça e de imaginação ativa.

Seu sorriso surgiu como quem quer dizer alguma coisa. Fica difícil enxergar alguma coisa com dois corações tapando seus olhos.

Em casa Bernardo ficava cada vez mais objeto de seu próprio desejo.

A única coisa que ainda acariciava seu rosto cansado era o relógio. Aquele antigo abajur no seu quarto não quisera mais acender nos momentos de escuridão. O único lugar onde se sentia protegido, era debaixo do chuveiro.

As águas lhe cobriam o corpo enquanto, de olhos fechados, Bernardo sonhava.

É normal que nessas horas de sonos transcendentais e acidentais, alguns objetos possam gemer. Ele pede que os cupidos esfreguem as suas costas.

Ela lhe abraça por trás. Suas mãos escorrem pelo o seu corpo até tocarem em sua verdadeira identidade animal.

Os objetos ficam cada vez mais agitados e se aproximam daquela cena. Eles cantam músicas indecifráveis para aqueles que nunca perderam a razão enquanto sentem prazer.

A água do bebedouro sai em câmera lenta.

Débora tenta em todo custo chupar o líquido que sai da aresta metálica do bebedouro.

Bernardo está sentado. Era um simples camaleão disfarçando- se com a cor da parede.

Para que conseguisse falar com ela, o rapaz precisou beber água ao menos de cem anos. Tentando neste caminho arrumar algum pretexto ou desculpas ou os dois, para cruzar o caminho dela.

Quando Débora, parou, sozinha, de costas em frente ao balcão da lanchonete, é que ele se viu diante de uma possibilidade de aproximação. Mesmo que ele não tenha visto nada disso, ele imaginou uma oportunidade de retribuir todos aqueles abraços do dia passado (imaginações servem para isso).

Faltou coragem. Faltou que todos fossem estátuas.

Bernardo pôs sua mão no ombro dela. Débora vira-se assustada, seus olhos azuis estão cobertos de água. Seu rosto está vermelho. Um silêncio se fez e todos viraram estatuas.

Ela sem saber o que dizer, ele sem saber o que fazer.

- Tudo bem ? – pergunta o rapaz.

- Tudo – disfarça a moça.

Bernardo queria levar os cabelos dela para detrás da orelha. Mas o mundo já não era mais de estatuas.

- Eu achei muito legal a sua apresentação do trabalho na aula passada.

- Gostou mesmo? Eu achei que ficou faltando alguma coisa...

(sempre falta alguma coisa)

- Foi quanto tempo de apresentação, quinze minutos? Passou tão depressa!

- Eu vi que tinha gente dormindo em sala...

- Não ligue para eles, algumas pessoas não ligam para as coisas que valem a pena serem ligadas.

- O quê?

- É...foi de uma viagem que você fez ?

- Sim. Eu já fui à Paris e....

Pronto, ele não conseguiu ouvir mais nada. Começou a viajar em sua própria cabeça e só puxou o freio de mão quando ouviu uma palavra “namorado”.

Namorado ? Ou ela resolveu conversar em francês ou alguém diminuiu o volume da conversa.

Os dois se calam. Ela espera alguma resposta? Preferiram se calar e se falarem com os olhos.

- Bom, eu preciso ir...te cuida. - a boca age com automatismo psíquico.

Aquele último aperto de ombro foi a despedida de algo que escorreu nos olhos dela. Um balde de água fria. Saiu molhado de suor.

Todo dia observava Débora passando pelo o bebedouro e, debaixo do chuveiro, sabia bem que os amores líquidos escorrem pelas mãos.