sexta-feira, 26 de agosto de 2011

sem essa amore

Eu sabia que mesmo depois de sairmos "pra lá de alegre" de uma longa conversa regada à cerveja, poesia, cinema e escritores russo, e de varar a noite de terça-feira num barzinho em Botafogo, Leo ainda teria muita coisa a nos dizer. "L’amore no" é exatamente esta extensão da conversa. Não há dúvidas: fala de uma linguagem universal. Não é a toa que mesmo em italiano você reconhece o título pelo cheiro, pela mesma pontada no peito que se sente nas canções-hinos de amor destinadas aos corações feridos por desmerecem carinho. Bate lá, no fundo d’alma do sujeito. Dá para sentir na pele. Falar de amor, desse amor, que tanto nos sobra e que nos faz falta ao mesmo tempo é sempre assim. Não tem jeito. Mas todo hino precisa de pelo menos um torcedor para ser ovacionado. E é assim também com o amor. Ou pelo menos era para ser.
Levando em consideração de que o poeta precisa reconhecer o lado invisível das coisas, a “falta de sentido” das frases soltas e dos versos perdidos, o nosso querido camarada Leo (É Leonardo Marona. Mas é chamado de querido camarada Leo pelos mais chegados), conseguiu ir direito ao ponto, à ferida exposta, ao pus - Ao amor que o amor não tem (será que é possível?). Falar de amor é quase impossível. É como falar da cabeça de bacalhau. Ninguém nunca viu, mas já ouviu falar. Muitas vezes, você já deve ter percebido, temos a sensação de ter sentindo o cheiro forte de bacalhau que o amor tem. Mas ai você descobre depois que não era amor. Era só o caminhão de lixo passando (a paixão). Existe muita diferença nos fedores da paixão. É mais agrotóxico. É mais esgoto.

E como todo começo tem o seu fim, toda noite tem sua manhã, todo amor tem a sua dor e toda infância tem a sua velhice, o livro termina e nos deixa com a mesma sensação ao lermos um dos seus maravilhosos poemas “Chuva”: a felicidade tem/ esse lado ruim/ quando acaba/ agente fica/triste.
Mas não me abalo por isso, pois tenho a certeza de que jamais morrerei de amor. O amor não mata ninguém. E o que não mata, nos fortalece. Estamos imune. É o que Leo explica no seu livro sem amor. L'amore no. Você entende. Não há dúvidas.

"segundo poema todo teu"


entra na casa, esta casa onde, por tantas
vezes, entraste sem perceber e, cada vez
mais dentro, saías de vez, mas agora não
sabes mais como sair – olha bem os móveis,
sente o peso das horas que, pela primeira vez
se apresentam arreganhadas, feitas de tecido
sem graça, soma de farrapos – mas olha bem.
não serão mais tuas estas horas, as paredes
te dão as costas, as portas de correr emperram,
estás sozinho onde tantas vezes disseste
a ti mesmo: “estou completamente sozinho”.
mas agora que estás, então não dizes nada.
percebes o ridículo: falas na segunda pessoa.
espera um pouco à porta, não olhes para dentro
do quarto pequeno, onde te espera à toa o corpo.
o ventilador roda noutra direção, e ali está ela,
que espantava as hienas e falava com mil sóis.
não te diz respeito o lugar para onde tantas vezes
fugiste sem pés de uma realidade seca, infame.
adeus ao quadro de Chagall, ao homem flutuante
em frente à Torre de Paris, adeus, Neal Cassady,
Kerouac, que primeiro te ensinou o abraço e,
acima de tudo, adeus aos braços, que se abrem
murchos para uma nova vertigem seca, sem pulo.
de costas para o muro ficas parado, voltas à porta:
não há mais porta, os caminhos se afunilaram
em gargantas abertas por navalhas de ferrugem.
não serão mais tuas estas horas e, em breve,
não serão mais tuas estas lembranças, nem tu
serás mais de ti mesmo, pobre órfão fugitivo.
ficaram algumas marcas de amor pelo chão,
agora ficam aqui lágrimas irreconhecíveis,
sabe-se lá de que são feitas, mas escorrem
como tudo o mais escorre para fora, adiante.
adeus incensos baratos à meia-noite pálida,
adeus às cortinas prateadas que escondiam
um segredo só nosso, e nem mesmo nosso.
adeus cigana de tantos dentes – diga adeus.
adeus Elis Regina, pintada por Andy Warhol.
adeus mesa feita de um antigo baú, adeus,
bares de esquina, cartas invisíveis de amor,
viagens não realizadas, concretizadas na cama,
até um dia bairro de Laranjeiras, vinho chileno,
adeus à toda intensidade da carne crua cansada.
“o mais profundo é a pele”, você dizia imitando
Paul Valery, mas agora adeus Paul, adeus pele.
ela que se encolhe agora na cama, sonhando
com tempos talvez mais leves, mas, meu amor,
se a vida não foi leve para nós, foi por dádiva,
porque somos os que podemos agüentar o peso,
somos os beneficiados com o espanto e a cura.
principalmente, agora, adeus manta africana,
com que ela te recebeu pela primeira vez,
jogando em seguida a chave pela janela.
aqui está a chave sobre a mesa, e dos dois
restou um livro de poemas, um livro médio,
um poema só dela, dos que fazem chorar,
e a chave do peito, essa que não devolverás,
essa que de tanto abrir e fechar fez carne viva
do que antes chamavas miséria, mas agora
chamas primeiro grito, susto que não se diz,
e não falarás mais nada, apenas amarás a ela
em preto e branco, como nos filmes antigos.

"declaração fulminante"

vemos o necessário apenas
e a escuridão total facilita.
digo baixinho, quase mudo,
coisinhas delicadas, choro,
e sei que você entende tudo,
porque não ouve nada: olha
babe, como te amo no escuro.
o amor só é possível assim.